Exibição do filme “Sita Sings the Songs” no Parque Chico Mendes

Exibição do filme “Sita Sings the Songs” no Parque Chico Mendes

A exibição do filme fez parte da Mostra de Filmes Recicláveis, que irá apresentar filmes e discutir direitos autorais abertos em parques da cidade.

Sofrer ameaças de enforcamento por fundamentalistas nacionalistas hindus pode ser uma preocupação secundária em relação a estar defronte ao fundamentalismo dos direitos autorais de corporações da mídia?

Sita

O PROJETO L.I.N.C.E. (Laboratórios Interativos Nômades para Criatividade e Experimentação) exibiu no dia 28/02 (sábado) as 15h30 no Parque Chico Mendes na Vila Curuça, Zona Leste de São Paulo, o filme de animação Sita Sings the Blues” da americana Nina Paley. O filme faz parte da Mostra de Filmes Recicláveis, que irá exibir filmes e discutir direitos autorais abertos em parques da cidade. O PROJETO LINCE participa da primeira edição Edital Redes e Ruas – Inclusão, Cidadania e Cultura Digital da Prefeitura de São Paulo.

A exibição foi acompanhada de bate-papo com o agente cultural Raimundo Justino um dos membros do Tenda Literária. Na conversa ele falou  de sua experiência em projetos de projeção de filmes em espaços públicos.

“Sita Sings The Blues” é um longa de animação da auto-intitulada “a mais amada cartunista desconhecida da América”. Nina Paley, a cartunista, animadora e diretora deste trabalho, se apropria e remixa criativamente diversas referências que vão desde fragmentos auto-biográficos, até o livro sagrado hindu “Ramayana”, épico sânscrito de 500 A.C. Tudo isso temperado com o charme das canções de Annette Hanshaw, uma das primeiras cantoras de jazz nos anos 20.

Em 2002, Nina Paley foi morar em Trivandrum na Índia, onde seu marido tinha arranjado um bom emprego. No decorrer de uma breve visita a Nova Iorque para negociar uma tira cômica que estava produzindo, recebeu um e-mail do marido terminando o casamento (a lá Sophie Calle). Em meio a sua crise pessoal, mergulhou na leitura do épico indiano, e no jazz de Annette Hanshaw, o que serviu de inspiração para desenvolver uma série de animações, até ter um longa metragem semi-acabado, tudo isso, apenas com o auxílio de seu computador pessoal.

O resultado é uma animação que se desenrola habilmente em várias camadas, com duas estórias que se entrecruzam: Uma de caráter autobiográfico que mostra o término de um casamento moderno, e outra que descreve a história de amor da antiguidade indiana.

O filme é um desfile de múltiplas técnicas de animação 2D, e consegue ser superior e mais engraçado que a média da burocrática animação 3D atual (que tem andado tão previsível e cheia de regras).

Pelo fato do Ramayana ser um livro sagrado, Paley recebeu ameaças de enforcamento, como reação de alguns fundamentalistas hindus ao filme. Mas este fato parece um problema secundário em relação a sua surpresa de que o pequeno custo do filme, tinha aumentado chegando a cifras de um quarto de milhão de dólares, em razão dos direitos de copyright das esquecidas canções de 80-90 anos atrás de Annette Hanshaw.

Os direitos de copyright viraram uma verdadeira prisão para o filme. Para distribuí-lo, teria que pagar as corporações detentoras dos direitos de propriedade das músicas, mas como não podia distribuir, não podia fazer dinheiro para pagar os direitos.

Então, Paley resolveu distribuí-lo por métodos não-convencionais, usando no campo do cinema estratégias usadas no campo do software livre. Liberou os direitos de copiar, compartilhar e reutilizar seu filme (exceto as músicas) como uma estratégia de divulgação.

Paley criou modelos de negócio alternativos (venda de camisetas, espaço no filme, contribuições dos fãs) para ganhar dinheiro com seu filme, pagar pela música de Hanshaw e sair da prisão do copyright. A artista foi alvo de críticas que a acusam de não ter se informado antecipadamente sobre os direitos das músicas, antes de começar a produzir o trabalho. Mas Paley contra-ataca com a idéia de que artistas precisam ser corajosos e percebe a existência de uma cultura do “não use isso, e não use aquilo, não faça isso, não faças aquilo”.

Como defensora de uma cultura livre, Nina Paley também escreveu e produziu a canção “Copying Isn’t Theft” (Copiar não é roubo) para ser livremente copiada remixada por outras pessoas no mundo. (Veja as versões)

Ser artista não é fazer as coisas certas, dentro dos melhores padrões e regras. Não, não é isso. É criar um certo ruído, e isso, Nina Paley está fazendo. A apropriação de algo existente para a criação de coisas novas e surpreendentes faz parte da criatividade humana.

No mundo da animação por exemplo, Walt Disney de forma muito inteligente se apropriava de grandes idéias, como por exemplo o primeiro desenho do Mickey “Steamboat Willie” que foi totalmente inspirado do filme “Steamboat Bill” do humorista Buster Keaton, sem falar na maneira como Disney se apropriava de livros dos irmãos Grimm e outras obras da literatura infantil para produzir seus longas (muitas vezes sem pagar por isso). O que é muito curioso pelo fato da Disney ser uma grande defensora do copyright hoje.

Também é paradoxal que detentores do copyright destruam sua própria propriedade, condenando ao esquecimento lindas canções como as de Annette Hanshaw. A divulgação das músicas com a distribuição “Sita Sings The Blues” poderia renovar o interesse pela cantora e gerar um série outros lucros.

Parece haver uma visão meio dogmática e estrábica de negócios. Ao cobrarem preços proibitivos para que músicas possam ser utilizadas, impedem que sejam conhecidas, estas corporações, em vez de lucrar, dão espaço a concorrência de uma cultura livre de excelentes artistas encontrados em sites como Jamendo. Estes por sua vez, liberam o seus direitos autorais pois querem muito ser divulgados num filme, num vídeo, numa peça teatral.

O que transparece neste caso, é que muito maior que a ganância das corporações, é sua burrice.

Nina Paley disponibilizou o filme no YouTube em 10 partes e esta disponível para download com várias opções de resolução e com legendas em português. Este texto gerou interessante discussão no Facebook confira.

O Parque Chico Mendes fica na Rua Cembira 1201, Vila Curuça Velho – São Paulo – SP.

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